Festa, que acontece em 22 de agosto, é antecipada para reunir um maior número desses trabalhadores
Canindé Amanhã, os vaqueiros dos Sertões de Canindé se reúnem em demonstração de fé para homenagear a profissão numa das maiores manifestações cultural e religiosa do Nordeste. O orgulho de ser vaqueiro, a coragem de correr no mato e a lida diária com o gado, são atributos do homem que dedica parte do seu tempo para manter viva essa tradição milenar que remonta sua história pelo ciclo do couro.
Canindé festeja o vaqueiro, em ato que faz parte do calendário cultural do Município FOTO: ANTÔNIO CARLOS ALVES
O dia oficial do homenageado é 22 de agosto, mas, por conta de ser uma quarta-feira, dia de trabalho dos profissionais, a Associação dos Vaqueiros, em reunião da diretoria, resolveu antecipar as comemorações para este sábado, com uma cavalgada saindo do Parque de Exposição Francisco Diassis Bessa Xavier, até a Basílica de São Francisco, onde será celebrada a missa presidida pelo pároco e reitor do santuário, frei João Amilton dos Santos, um defensor ferrenho da cultura popular.
Após o ato religioso, os participantes retornam ao Parque de Exposição, onde será servido um almoço e, em seguida, acontece a escolha da rainha. As grandes novidades ficam por conta da escolha do rei e rainha dos vaqueiros mirins e o primeiro campeonato de tambor com dez duplas e muito forró pé de serra, resgatando as músicas de Luiz Gonzaga, que comemora 100 anos de sua história.
O jornal Diário do Nordeste, que sempre esteve presente nas missas dos vaqueiros em toda região, será homenageado pela Associação. Outro homenageado é Eduardo Queiroz, editor chefe do Departamento Fotográfico do DN. Ele está realizando na região um projeto fotográficovoltado para o dia-dia dos homens e mulheres vaqueiros.
Para o presidente da Associação, José Curdulino Filho, a vida desses "heróis" do campo não é nada fácil. "É um personagem típico do sertão. O vaqueiro ainda mantém tradições e bravuras herdadas dos tempos da civilização do couro. A tradição herdada dos tempos da colônia", ressalta o dirigente.
Mitos
Conforme salientou, a lida atrás dos rebanhos foi elemento formador de cidades, base de alimentação e motivadora de rituais, festas e mitos.
O que mais chama a atenção é a vestimenta ou gibão de couro, feita por vaqueiros que passam a tradição de pai para filho. Essa vestimenta inclui chapéu, guarda peito, luvas, perneiras como proteção contra os espinhos da Caatinga", observou.
. A única mulher vaqueira que ainda participa das atividades, da classe mais simples do mundo e respeitada por todos, é a mestre da cultura de Canindé, Dina Maria Martins, uma espécie de embaixadora dos vaqueiros. Ela diz, com orgulho, que tudo começou em 1970, exatamente no dia 1º de outubro, quando o vigário da época, frei Lucas Dolle, um alemão cheio de coragem e com intenção de ser vaqueiro (ele participou da 1ª Guerra Mundial montado a cavalo) rezou a primeira missa no pátio da Basílica de São Francisco, na presença de um grande número de adeptos da profissão.
Ela lembra que o sucesso da primeira missa foi tão grande que, em 1976, Luiz Gonzaga fez questão de vir conhecer a festa.
Encantamento
"Luiz Gonzaga ficou encantado com tudo que viu. Foi muita emoção para todos nós", diz com os olhos cheios de lágrimas a mulher vaqueira que desafiou o Rei do Baião em aboios.
Um projeto da defensora dessa cultura, Fernanda Gomes, está viajando o Brasil com a presença e as vozes de vaqueiros de Canindé com o título "Aboios".
"Somos os únicos do Brasil que temos, por meio de uma lei do Município, de número 2.051 e 29 de abril de 2008, o dia dedicado à nossa categoria, que é comemorado no dia 22 de agosto, data nacional que homenageia o folclore", ressalta Dina Martins, para quem vive da vida do gado tem orgulho de ser vaqueiro, conforme destaca.
"Faço parte de uma categoria que muito me estima. Sou vaqueiro por dedicação e tudo que tenho hoje foi conseguido com essa vida simples, mas orgulhosa por tantos feitos que me tornam especial", frisa José Pedro da Silva.
Como toda cidade tem seu prefeito, a categoria de vaqueiros de Canindé também tem o seu líder.
Trata-se de Cosmo Paulino, um homem amigo, que passou a ser reconhecido como o prefeito da classe. "Eles me elegeram prefeito, sem precisar de eleição. Foi tudo muito rápido. Disseram: ´Cosmo, você, a partir de hoje, é o nosso prefeito´´, foi isso", diz o vaqueiro que começou montando em um carneiro.
Profissão
Pouca gente sabe, mas o vaqueiro, em modo geral, é uma profissão regulamentada pela lei 10.220 de 11 de abril de 2001, sancionada pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso.
"Vaqueiro é um profissional qualificado para tratar, manejar e conduzir animais das espécies bovino, bubalino, equino, muar, caprino e ovino. A contratação dos serviços de vaqueiro, diz a lei, é de responsabilidade do administrador do estabelecimento agropecuário de exploração de animais de grande e médio porte, de pecuária de leite, de corte e de criação", explica o presidente da Associação dos Vaqueiros, José Curdulino Filho.
É obrigatório, de acordo com a lei, seguro de vida e de acidentes em favor do vaqueiro nos contratos de serviço ou de emprego. Tal seguro deve compreender indenizações por ressarcimento de despesas médicas e hospitalares decorrentes de eventuais acidentes ou doenças profissionais que o vaqueiro vier a sofrer durante sua jornada de trabalho, independentemente da duração da eventual internação, dos medicamentos e das terapias que assim se fizerem necessários para a pronta recuperação da saúde.
A lei regulamenta situação factual, existente de longa data, reconhecendo a importância desses profissionais e os perigos aos quais eles estão expostos em sua luta diária.
"Essa lei faz justiça a uma categoria típica de trabalhadores, cujo cruel esquecimento reclamava a regulamentação que em boa hora é implementada", afirmou o prefeito da cidade de Canindé, Cláudio Pessoa, que sempre fortaleceu a categoria com seus incentivos.
Mais informações:
Associação dos Vaqueiros de Canindé
Parque de Exposição
Bairro: Bela Vista
Telefone: (85) 9735.2991
Lendas e mitos permeiam o mundo dos sertanejos
A religiosidade do homem do sertão, especialmente envolvendo a liturgia católica, é o auge das festividades. A primeira missa do vaqueiro celebrada no Nordeste aconteceu em Canindé no dia 1º outubro de 1970 FOTO: ANTÔNIO CARLOS ALVES
Ao som do chocalho e vestidos com roupas de couro, os sertanejos seguem em procissão para louvar o santo de sua proteção. Há na atividade um misto de lenda e mito. Em Canindé, no Sertão do Ceará, existe uma categoria que dia a dia mantém viva a tradição de unir força, coragem e determinação.
São os vaqueiros, que lutam arduamente sem patrocínio e nem tão pouco ajuda para assegurar à região o título de maior cidade do Brasil a unir uma multidão de adeptos à profissão já regulamentada por lei federal.
"Aqui quem não é vaqueiro é neto de vaqueiro, filho de vaqueiro, irmão de vaqueiro, esposa de vaqueiro, namorada de vaqueiro. Enfim, tem no sangue a vida do vaqueiro´´, diz José Curdulino, presidente da classe.
Achado
Em Canindé, está localizado o maior santuário franciscano das Américas e a construção da primeira igreja da cidade tem a participação de um vaqueiro. Porque foi de um desses trabalhadores que Francisco Xavier de Medeiros ouviu a promessa de construir a capela, o que acabou acontecendo anos depois.
Foi um vaqueiro que achou um santo dentro do capinzal. Trouxe a imagem para casa e foi trabalhar. Depois que voltou procurou o santo e ele havia voltado para o mesmo lugar do achado. O vaqueiro tornou a levar o santo para casa e esse insistia em retornar para o capinzal. Pelo menos assim reza a lenda em torno da imagem.
"Depois de muita luta, o vaqueiro pediu a Xavier de Medeiros que construísse a capela. Só assim o santo se aquietou", diz Gonzaga Vieira, um poeta popular que escreveu o cordel "Da Lenda", tratando da realidade sobre histórias de heroísmo e bravura desses sertanejos.
Outro fato que ajuda a manter essa tradição é que a primeira missa do vaqueiro celebrada no Nordeste aconteceu em Canindé, no dia 1º outubro de 1970, organizada pelo saudoso poeta popular Raimundo Marreiro, o empresário Juarez Coutinho e a vaqueira Dina Maria Martins, hoje mestre da cultura.
Assassinato
Um ano depois de visitar a Cidade Canindé, Luiz Gonzaga, acompanhado do padre João Câncio e do poeta Pedro Bandeira, organizava a primeira missa em Serrita para homenagear o vaqueiro Raimundo Jacó, que foi assassinado em 1954.
"Temos uma identificação muito forte com a categoria, por isso sempre estamos presente nessas festas. Sejam missas, vaquejadas, pega do boi no mato, corrida de mourão, enfim, nunca deixamos de participar", finalizou Dina Martins.
A missa do vaqueiro em Canindé tornou-se a grande manifestação de fé. Para o pároco e reitor do Santuário de São Francisco das Chagas, frei João Amilton dos Santos, o Dia do Vaqueiro é, sem dúvida, uma data tão importante que a cidade para ver esses filhos ilustres desfilando pelas ruas da cidade.
Além do Dia do Vaqueiro comemorado sempre no dia 22 de agosto, em Canindé, lei 2.051 de 29 de abril de 2008, a classe tem ainda o amparo da lei 14.635 de 26 de agosto de 2010, que institui também a data a ser comemorada em todo o Ceará, uma iniciativa da deputada Estadual Lívia Arruda e sancionada pelo governador Cid Gomes.
A categoria é tão expressiva que a missa do vaqueiro de Canindé faz parte do calendário oficial do Estado. A lei 14.520 de 12 de setembro de 2009, também da deputada Estadual Lívia Arruda, assegura esse direito.
O Dia Nacional do Vaqueiro é comemorado no dia 29 de julho. A lei 2.474 é do deputado Federal pelo Estado do Piauí, Wellington Dias. Coincidência ou não, nessa data, a cidade de comemora aniversário.
ANTÔNIO CARLOS ALVESCOLABORADOR
FONTE: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1170890
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